by Padre Carlos Jorge | Set 2, 2025
Os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: «Quem é o maior no Reino do Céu?» Ele chamou um menino, colocou-o no meio deles e disse: «Quem se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu». | Mt 18, 1-4
“Quem é o maior no Reino do Céu?”
Todos se voltaram para Jesus, a quem era dirigida a pergunta.
Tinha sempre respostas imprevisíveis. Das que se gravam na alma.
Olhou para o Jónatas e chamou-o. Era um catraio de 6 anos.
Correu imediatamente para Jesus, com um sorriso no rosto.
Depois de o ter colocado no meio do grupo, Jesus afirmou:
“Quem se fizer humilde como esta criança será o maior no Reino”.
Depois de uns instantes de silêncio, soltaram-se os comentários.
Jesus abraçou o Jónatas, abençoou-o e foi-se embora. Eu também.
No regresso a casa, ao longo do caminho, envolvido pelo silêncio,
fui refletindo no que tinha visto e ouvido de Jesus.
Querem saber quem é o maior e Ele fala em ser pequeno.
Querem saber como ser famoso e Ele fala em ser discreto.
Querem saber como subir ao telhado e Ele fala em descer à cave.
Querem saber como ganhar a medalha de ouro e Ele fala em barro.
Querem saber como ser uma vedeta e Ele fala em chão.
Querem saber como dominar e Ele fala em humildade.
Querem saber como pertencer à elite e Ele fala de santidade.
Querem saber como ser o primeiro e Ele fala em ser o último.
Querem saber como ser o soberano e Ele fala em ser serviçal.
Querem saber como ter lugar reservado e Ele fala em liberdade.
Querem saber como ser graúdo e Ele fala em ser miúdo.
Querem saber como conquistar o Céu e Ele fala em beijar a terra.
No final do dia, pensava ter compreendido as palavras de Jesus.
Mas só uns tempos depois é que cheguei ao pleno entendimento:
quando recebi a notícia de que Jesus tinha ressuscitado.
Afinal era mais que um homem. Era Deus a caminhar ao meu lado.
Um Deus que se despojou do seu poder, que veio ao mundo,
que lavou os pés aos discípulos, que foi abandonado pelos amigos,
que foi preso, zombado, espancado e crucificado. E, no fim, venceu.
Tudo, por causa da Vida e do Amor. Por ti e por mim. Por todos.
Percebemos, finalmente, o que é ser o maior no Reino do Céu?
In Palavra de Deus, Palavras do homem
by Padre Carlos Jorge | Ago 26, 2025
Asseveras que és mais inteligente, mais rápido, mais forte, mais verdadeiro,
mais bonito, mais generoso, mais habilidoso, mais rico, mais honesto,
mais esperto, mais simpático, mais trabalhador, mais criativo, mais eloquente,
mais cuidadoso, mais importante, mais perspicaz, mais atento, mais ilustrado,
mais educado, mais culto, mais humilde, mais organizado, mais bondoso,
mais iluminado, mais perfeito do que eu.
Ou seja: és melhor do que eu, em tudo. Certamente.
Não me interessam posições em tabelas e escalas.
Empenho-me, diariamente, em ser maior, não o maior.
Recordo palavras do Papa Francisco:
“Não somos mais porque falam bem de nós, nem menos porque falam mal de nós.
O que somos perante Deus, isso é o que somos e nada mais.”
O que sou diante de Deus é o que me importa.
E Jesus afirma que o maior, o primeiro, é o que serve.
Como disse, alguém: sobe-se para Deus, descendo.
Faço-te um pedido: assim que perceberes, em mim, o tique-de-ser-o-maior,
corrige-me imediatamente.
É o ‘homem velho’, que habita em mim, a querer dar nas vistas.
Ainda não consegui que partisse para bem longe da minha vida.
P. Carlos Jorge, in VENTO NESTE CAMINHO DE PEDRAS,
de P. Carlos Jorge (textos), Carina Tavares e João Afonso (ilustrações)
2021
by Padre Carlos Jorge | Ago 19, 2025
Jacob tendo ficado só, alguém lutou com ele até ao romper da aurora. Vendo que não podia vencer Jacob, bateu-lhe na coxa, e a coxa de Jacob deslocou-se, quando lutava com ele. E disse-lhe: «Deixa-me partir, porque já rompe a aurora.» Jacob respondeu: «Não te deixarei partir enquanto não me abençoares.» Perguntou-lhe então: «Qual é o teu nome?» Ao que ele respondeu: «Jacob.» E o outro continuou: «O teu nome não será mais Jacob, mas Israel; porque combateste contra Deus e contra os homens e conseguiste resistir.» Jacob interrogou-o, dizendo: «Peço-te que me digas o teu nome.» «Porque me perguntas o meu nome?» – respondeu ele. E então abençoou-o. | Gn 32, 25-30
Este episódio tem tanto de fascinante como de enigmático.
Deixemo-nos envolver pelo tom misterioso, pela movimentação,
pelos enunciados concisos, pelos silêncios, pelas alusões…
Jacob luta com ‘alguém’, que se lhe interpõe no caminho:
principia na escuridão, franqueia a aurora, termina de dia.
Há múltiplas leituras e interpretações para este relato.
Uma delas, talvez a mais relevante, relaciona-se com a luta.
Quando se enfrentam desafios, geram-se tumultos dentro da alma,
batalhas internas a travar, trânsito de um ‘antes’ para um ‘depois’.
Para um crente, a relação com Deus pode tomar a forma de ‘duelo’,
quase como um combate corpo-a-corpo,
um confronto entre o que aquele é e quer, e o que Deus É e quer.
Após a refrega, que pode durar ‘toda a noite’,
Deus inventa um empate: não se deixa derrubar nem dominar,
mas não permite, também, que Jacob prove o amargo da derrota.
Ganham ambas as partes. Uma vitória repartida. A única que vale.
Aquele que não desiste d’Ele, que ‘não O quer deixar partir’,
o que ‘luta contra Deus e contra os homens, e consegue resistir’,
recebe um nome novo. Torna-se cidadão da Vida.
E, no final, Deus abençoa-o, ou seja, fala bem dele, aplaude-o.
Que ninguém tenha receio de ter Deus como adversário.
No final de cada ‘combate’ não haverá vencidos. Só vencedores.
In Palavra de Deus, Palavras do homem
(adaptado)
by Padre Carlos Jorge | Ago 12, 2025
Vigia: alguém está necessitado do teu abraço. Não faltes.
Vigia: há obscuridade no espaço ao teu redor. Queres iluminá-lo?
Vigia: muitos colocam a confiança em ti. Não os desiludas.
Vigia: a falsidade ataca em cada esquina. Defende-te dela.
Vigia: há gente a conspirar contra a bondade. Vais juntar-te a eles?
Vigia: não te deixes capturar pela tristeza. Voa para longe dela.
Vigia: tens um universo de dons dentro de ti. Como os tens usado?
Vigia: estás a desviar-te da rota inicial. Já te deste conta disso?
Vigia: és um ramo de uma árvore magnífica. Mas, estás vivo?
Vigia: querem envenenar-te com o desânimo. Estás atento?
Vigia: dizem que o futuro é sombrio. Mas, o futuro és tu; e tu és luz.
Vigia: ‘lavaste os pés’ a alguém, hoje? Amanhã também é dia.
Vigia: reclamas, amiúde, que ‘tudo está mal’. Fazes melhor?
Vigia: fraquejaste e caíste, sim. Mas, consideras-te vencido?
Vigia: nestes dias, quantas vezes disseste ‘obrigado’ e ‘desculpa’?
Vigia: a boca dá voz aos teus pensamentos. Rezas antes de falares?
Vigia: és um tesouro de Deus. Não te vendas por preço algum.
Vigia: hoje, pode ser o teu derradeiro dia de vida. Que estás a fazer?
Vigia: o que desejas pode não vir. Como enfrentas os fracassos?
Vigia: por que motivo és tão azedo? Queres curar-te
Vigia: colocas muitas questões. Confessa: procuras as respostas?
Vigia: é muito bom amar. Mas não aviltes o teu corpo e a tua alma.
Vigia: ofendeste ou magoaste alguém, hoje? Confirma.
Vigia: por que será que nada vês, quando tudo está lá?
Vigia: precisam de ti, agora. Vais ou ficas?
Vigia: alguém está, encantado, a olhar para ti. Já reparaste?
Vigia: afirmas que a oração é basilar na tua vida. Rezaste, hoje?
Vigia: o Amor precisa de ti. Por que demoras em partir?
Vigia: Deus anda à tua procura. Vais permitir que Ele te encontre?
P. Carlos Jorge, in VENTO NESTE CAMINHO DE PEDRAS,
de P. Carlos Jorge (textos), Carina Tavares e João Afonso (ilustrações)
2021
by Padre Carlos Jorge | Ago 9, 2025
A vida é dom. Com tempos de festa e horas de combate.
As principais batalhas, sabemo-lo, travam-se dentro de nós.
Acontece que, muitas vezes, evitamos ou adiamos a luta:
é mais fácil embarcar na aventura de ’sair’ para mudar o mundo,
do que decidirmo-nos a ‘entrar’ e mudarmo-nos a nós mesmos.
Porém, o futuro começa a sonhar-se e a desenhar-se dentro de nós.
Se nos perdermos de nós próprios, perderemos o futuro.
Por isso, somos convocados a ser ‘sentinelas de nós’, a perguntar:
o que mora em ti, coração, com que cores estás pintado?
Como gostar de alguém, quando não se gosta de si mesmo?
Como bendizer a paz, quando se mata com a tagarelice?
Como pressentir a Esperança, quando se está atafulhado de trevas?
Como exigir tanto rigor, quando se é tão pouco ou quase nada?
Como gerar comunhão, quando se deixa o egoísmo ser ‘o senhor’?
Como viver sereno, quando se está infetado pelo vírus da inveja?
Como erguer a ‘cidade’, quando se vê um inimigo em cada esquina?
Como tecer uma comunidade, quando nunca se está?
Um mundo mais ‘humano’ forja-se com humanos mais ‘humanos’.
É uma obra interior. Que procede do amor, não de normas e leis.
Para os que, como eu, se sentem frágeis guardiões de si mesmos,
ter Jesus como parceiro, ouvir o que Ele tem para dizer,
fortalece a segurança e intensifica o zelo na custódia do coração,
o nosso Lugar mais sagrado.
Como é contigo?
Cuidar de si, para ser capaz de cuidar dos outros.
Ganhar-se para si, para poder ganhar-se para todos.
Ser guarda de si, para saber ser guarda de todo o Universo.
In Palavra de Deus, Palavras do homem
by Padre Carlos Jorge | Jul 29, 2025
Exaustos, desanimados, desconcertados, interrompemos a marcha.
A nossa aparência era misérrima.
Os corpos estavam secos, as almas, endurecidas.
Roupas laceradas, escassas gotas de água, algumas micas de pão,
eram todos os nossos bens.
A noite enclausurou-nos.
Sentamo-nos em roda. Muito próximos.
Então, sob um céu salpicado por mil estrelas, o admirável sucedeu.
Em total silêncio, fomos enlaçando as nossas mãos. Lentamente.
Os nossos rostos, golpeados pela demasia do calor e do frio,
começaram a iluminar-se e a transfigurar-se.
Nos lábios desenharam-se sorrisos, daqueles com coração.
Lágrimas de paz jorraram dos olhos de muitos.
O espanto ia comando conta de cada pedacinho de nós.
No meio do deserto, um grupo de homens, mulheres e crianças,
despojados de tudo e cercados de nada, engolidos pela escuridade,
experienciava os efeitos da energia mais poderosa do universo:
a admirável força da comunhão.
Ali não se achavam títulos, graus escolásticos, pedantismos sociais.
Apenas seres humanos, na sua mais genuína nitidez.
Naquele círculo de afetos, saboreámos o fascínio da eternidade.
Transpusemos a noite. Sem sono. Ligados. Cúmplices. Autênticos.
O alvor do novo dia descobriu-nos em posição de partida.
Tínhamos chegado àquele campo de areia, abatidos e derrotados.
Estávamos, agora, com o ânimo e a determinação dos super-heróis.
Tínhamos chocado com a muralha invisível do limite.
Estávamos, agora, de novo, perante a vasta estrada do infinito.
A meio da tarde, encontrámos água e alimentos.
AQUELE que viajava connosco, afinal não nos tinha abandonado.
Permitiu que tocássemos a periferia da nossa humanidade,
lugar onde se confirma a força do barro, de que todos somos feitos,
e se fabrica o sublime e indestrutível dinamismo do amor.
In Palavra de Deus, Palavras do homem