Caminhar no deserto

Caminhar no deserto

Exaustos, desanimados, desconcertados, interrompemos a marcha.
A nossa aparência era misérrima.
Os corpos estavam secos, as almas, endurecidas.
Roupas laceradas, escassas gotas de água, algumas micas de pão,
eram todos os nossos bens.
A noite enclausurou-nos.
Sentamo-nos em roda. Muito próximos.
Então, sob um céu salpicado por mil estrelas, o admirável sucedeu.
Em total silêncio, fomos enlaçando as nossas mãos. Lentamente.
Os nossos rostos, golpeados pela demasia do calor e do frio,
começaram a iluminar-se e a transfigurar-se.
Nos lábios desenharam-se sorrisos, daqueles com coração.
Lágrimas de paz jorraram dos olhos de muitos.
O espanto ia comando conta de cada pedacinho de nós.
No meio do deserto, um grupo de homens, mulheres e crianças,
despojados de tudo e cercados de nada, engolidos pela escuridade,
experienciava os efeitos da energia mais poderosa do universo:
a admirável força da comunhão.
Ali não se achavam títulos, graus escolásticos, pedantismos sociais.
Apenas seres humanos, na sua mais genuína nitidez.
Naquele círculo de afetos, saboreámos o fascínio da eternidade.
Transpusemos a noite. Sem sono. Ligados. Cúmplices. Autênticos.
O alvor do novo dia descobriu-nos em posição de partida.
Tínhamos chegado àquele campo de areia, abatidos e derrotados.
Estávamos, agora, com o ânimo e a determinação dos super-heróis.
Tínhamos chocado com a muralha invisível do limite.
Estávamos, agora, de novo, perante a vasta estrada do infinito.
A meio da tarde, encontrámos água e alimentos.
AQUELE que viajava connosco, afinal não nos tinha abandonado.
Permitiu que tocássemos a periferia da nossa humanidade,
lugar onde se confirma a força do barro, de que todos somos feitos,
e se fabrica o sublime e indestrutível dinamismo do amor.

In Palavra de Deus, Palavras do homem