Num mundo onde tudo se tornou urgente, talvez tenhamos dificuldade em reconhecer a proveniência desta frase. É Jesus que a diz, com propriedade, e talvez nos possa ajudar a reflectir sobre a vida que vivemos.
Estamos imersos em urgências, isso é certo, e há tantas coisas que se apresentam como necessárias para que a nossa vida tenha a qualidade desejada, por vezes entendidas como direitos que nos são devidos. Há exigências a todos os níveis e para todos os gostos, o que cria a ilusão de que a felicidade é algo que se compra por meia dúzia de tostões (ou mesmo milhões), o que, por outro lado, leva a concluir que sem esses mesmos tostões não é possível ser feliz.
Curiosamente, o curso dos acontecimentos, quando analisado com realismo, parece desdizer estas afirmações. Se é verdade que a capacidade de corresponder às urgências e de suprimir as necessidades é cada vez maior, aumentam, ao mesmo tempo, as experiências de desilusão e de decepção face à vida e ao seu sentido profundo, tantas vezes com impactos reais na saúde mental ou no bem-estar efectivo de cada pessoa.
Alguns optam pela resignação, outros pela anestesia. Os primeiros, ao tomarem consciência da aparente impossibilidade de felicidade, desistem dela, assumindo um estado de desânimo permanente, onde há pouco lugar para a vida na sua plenitude; os segundos continuam a permitir-se inebriar por um sem-número de experiências e acções, sem qualquer espécie de paragem, não vá a estagnação conduzir à auto-reflexão e à confrontação com a verdade das coisas.
Aventuro como possibilidade que o estado da Nação, tal como se encontra, se deva, acima de tudo, à falta do sentido de Deus. No mundo contemporâneo, particularmente no contexto ocidental em que vivemos, a vida acontece por si só. A percepção comum, que se instalou de alguma forma, é que a vida se vale a si própria e não tem necessidade de justificações externas para vingar ou atingir a plenitude nela profundamente inculcada.
Talvez justamente por isso seja mais urgente do que nunca voltar ao sentido profundo da frase que dá o mote a este texto. De facto, uma só coisa é necessária. No sentido filosófico da necessidade, mas também no sentido prático. Ao homem contemporâneo falta Deus — e isso é tudo. Sem esta consciência, torna-se fácil, quase obrigatório, correr de experiência em experiência para, no fim de contas, terminarmos de coração vazio, desalmado.
Deus é o único necessário, em todos os sentidos, e só a partir d’Ele encontram lugar todas as restantes coisas da nossa vida. Esta decisão requer coragem por muitas razões. Primeiro, porque exige uma paragem brusca que permite reavaliar a prioridade das coisas; depois, porque implica assumir a primazia de Deus, antes de qualquer uma das dimensões que compõem a vida humana, com toda a riqueza que encerra.
Na verdade, só n’Ele nos descobriremos a nós; só n’Ele poderemos refazer opções e reconstruir planos, sabendo que o cumprimento da nossa vida depende da escuta activa da Sua voz.
Creio que o mundo precisa de testemunhos concretos que apontem, por meio do exemplo, neste sentido. Não como quem, de forma arrogante, pretende altivamente ensinar o que quer que seja a outrem, mas para que a humanidade possa hoje ver com os seus próprios olhos, em vidas concretas, que “amar a Deus sobre todas as coisas” ainda vale a pena, e conduz à verdade mais profunda daquilo que somos como seres humanos: criados pelo Amor, para amar, em todas as circunstâncias.