20 de junho | Dia Internacional do Refugiado

20 de junho | Dia Internacional do Refugiado

Nas notícias, nas campanhas eleitorais, no café ou em conversas com os nossos amigos e conhecidos, muito se fala e se ouve falar das pessoas que não são portuguesas e vivem em Portugal. Todos vão dando a sua opinião sobre como devemos receber essas pessoas, que direitos devem ter e se são “dignos” de cá viverem. Por vezes, corremos o risco de considerar que os estrangeiros residentes em Portugal estão todos nas mesmas condições e, por isso, geram-se muitos mitos e preconceitos, ouvindo-se muitas vezes dizer: “Imigrantes, refugiados, traficantes, terroristas é tudo a mesma coisa.”

“São conceitos completamente diferentes. Os terroristas e traficantes são criminosos, os imigrantes são pessoas que se deslocam e se fixam em novos lugares, podendo fazê-lo pelas mais variadas razões, nomeadamente a procura de melhores condições de vida. Por sua vez, os refugiados são vítimas que precisam de proteção. Os requisitos que distinguem os refugiados de outras pessoas que se deslocam estão claramente descritos na Convenção de Genebra relativa ao Estatuto de Refugiado, de 1951” [1] e na legislação portuguesa, através da Lei n.º 27/2008, de 30/06, que já foi atualizada seis vezes, sendo a última atualização de 2023 (Lei n.º 53/2023, de 31/08).

Segundo aquela Lei, ser refugiado significa que a pessoa teve que abandonar o país onde vivia porque é perseguida ou é gravemente ameaçada de perseguição, por lutar a favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social. Muitas vezes, os refugiados enfrentam a morte, perseguições ou graves violações dos direitos humanos nos países de origem e só alguns conseguem sobreviver à fuga.

Qualquer estrangeiro que entre no nosso país nestas condições deverá efetuar o pedido de proteção internacional à Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) ou a qualquer outra autoridade policial.

O Conselho Português para os Refugiados, é uma Organização Não Governamental (ONG) que promove o asilo em Portugal através de apoio social, jurídico, desenvolvimento de projetos e Centros de Acolhimento, mas esta não é a única organização com esta missão e valores.

Aqui ficam alguns contactos para quem é refugiado, para quem quer ajudar alguém ou apenas contribuir para esta causa:

Conselho Português para os Refugiados (https://cpr.pt/)
Quinta do Pombeiro, Casa Senhorial Norte Azinhaga do Pombeiro, s/n, Lisboa – +351 21 831 43 72 – geral@cpr.pt

Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) – Gabinete na Associação Olho Vivo em Queluz
Centro Comercial de Queluz – Avenida António Ennes, n.º 31, 2.º Andar, Queluz (junto à Estação de Queluz/Belas) – +351 214 353 810 – olhovivo.claim.queluz@gmail.com

Serviço Jesuíta aos Refugiados Portugal (https://www.jrsportugal.pt/)
Rua Rogério de Moura, Lote 59, Lisboa – +351 217 552 790 – jrsportugal@jrs.net

Centro Padre Alves Correia (https://www.cepac.pt/atendimento-acompanhamento-social.php)
Rua de Santo Amaro, n.º 43, Lisboa – +351 213 973 030 – geral@cepac.pt

Cruz Vermelha Portuguesa (https://www.cruzvermelha.pt/apoio-social/grupos-vulner%C3%A1veis/migrantes-e-refugiados.html)
Jardim 9 de abril, 1 a 5, Lisboa – + 351 213 913 900 – sede@cruzvermelha.org.pt

APIRP – Associação de apoio a Imigrantes e Refugiados em Portugal (https://apirp.pt/)

Sandra Mourisco
(Assistente Social)

[1] Informação retirada da página do Conselho Português para os Refugiados: https://cpr.pt/mitos/

Solidariedade ou caridade?

Solidariedade ou caridade?

«Em vez de dar dinheiro ou bens alimentares, dê emprego.» A proposta do Bispo de Aveiro passou sem eco na época natalícia. Tem tanto de retórica minimalista como de realismo social, e enquadra-se na exigência de rever, na quase totalidade, os modelos de empresa, desenvolvimento e mercado (Caritas in veritate, Bento XVI, 2009), reafirmada há dias pelo papa Ratzinger, quando denunciou o «capitalismo financeiro desregulado» que aumenta o fosso entre ricos e pobres.

Vem à memória um equívoco, no debate mediático, e sobre o qual se exige um ponto prévio: caridade e solidariedade social não estão em polos antagónicos. Uma não é preferível à outra, a primeira carece da segunda para se completar, como a segunda não se compreenderá totalmente sem a complexidade da primeira.

Não havendo espaço numa pequena crónica para digerir as enciclopédicas reflexões sobre o tema – entre o ágape e a caritas, o afeto, a estima e o incondicional, ou entre o solidum e o solidus, a segurança, o inteiro e o interdependente –, entenda-se, como princípio, que a fé cristã sem caridade é um bluff, porque o Deus dos cristãos é Amor que se concretiza no amor ao próximo. Ao mesmo tempo, sublinhe-se que, sem relação ou responsabilidade mútua, o ser humano é incompleto. O «eu» é e compreende-se no domínio da interdependência11, não se realiza sozinho. O homem individualmente «não possui a existência do homem em si mesmo»12, encontrada felicidade em relação, num processo complexo que parte do «eu» solitário para construir o «nós» solidário, o «ser» para e com os outros numa reciprocidade que vincula, ideia desenvolvida pelo médico e psicólogo judeu Jacob Levy Moreno, quando teorizava sobre as relações interpessoais no fenómeno religioso. Nesta perspetiva, a solidariedade não é uma opção, faz parte da natureza humana, da dimensão relacional e racional, desenvolvendo ética e moral, aperfeiçoando e purificando a justiça.

Estamos perante um problema de conceitos. Tal como a prática da caridade não é mera assistência, não se confunda solidariedade com cumplicidade solidária. A solidariedade é herdeira da fraternidade prática e pragmática, podendo enquadrar uma natureza abstrata, as buscas e procuras transversais da existência, a fé e o dever perante a consciência da finitude humana.

Numa abordagem atual, o princípio da solidariedade afirmou-se na consciência coletiva, no azimute da justiça, autonomizou-se, na organização da comunidade, promovendo a «igualdade» e sustentando, por exemplo, o ideário do «Estado social».

Não se trata de um sentimento vago de compaixão, de emoção momentânea que procura resolver problemas agudos de privação, mas de um dever firme e perseverante que na organização social procura a raiz dos problemas, atenuando as causas do sofrimento e da injustiça, combatendo as razões dessa privação e garantindo a paz social.

Não deixa de ser curioso o facto de, nas narrativas bíblicas, a comunidade cristã embrionária promover, pelo despojamento, mecanismos de «igualdade». Não há que ter medo das palavras. Basta reler a construção ética de Paulo e a forma como o apóstolo, com os mecanismos da solidariedade, promove as primeiras plataformas ecuménicas. Acudir com urgência aos que mais precisam porque não há diferentes «debaixo do sol» da mesma fé, uma fé com claríssimas implicações sociais que, ampliadas culturalmente, criam uma identidade e um humanismo.

O arcebispo emérito de Milão, Dionigi Tettamanzi, entende que a solidariedade «confirma e explicita» a caridade cristã, «na sua expressão social e institucional»13. Sem o princípio da solidariedade, a caridade cristã limitarse-ia a um assistencialismo ocasional e não construtivo. O objetivo político maior de um cristão passa por combater as desigualdades sociais e defender um bem comum orientado pela virtude. É possível que estejamos diante de uma utopia social que carece, neste e em qualquer tempo, da filosofia e/ou da religião. Mas não vale a pena alimentar mais equívocos…

 

In Com Franqueza…, Paulinas Editora, 2015 (adaptado)
Publicado inicialmente a 16 de janeiro de 2013

[11] Cf. Martin BUBER, Eu e Tu (1923) [ed. port., Lisboa, Paulinas Editora, 2014].
[12] Cf. Ludwig FEUERBACH, Princípios da Filosofia do Futuro (1843).
[13] Cf. Dionigi TETTAMANZI, Não há futuro sem solidariedade (2009).