Flores para Maria… este convite foi lançado à comunidade paroquial durante o mês de maio.
O cesto colocado na igreja, junto à imagem de Nossa Senhora da Conceição, foi o berço de centenas de flores em croché, de todas as cores, formas e feitios, pequenas, grandes, formando rosas, margaridas, malmequeres, tulipas… numa variedade que é símbolo do carinho e dedicação das mãos que as elaboraram.
Um grande painel aguardava a composição de aproximadamente mil flores, que refletem o enorme Sim de resposta ao convite.
No seio do grupo Novo Rumo, entre sorrisos, contemplação e admiração pela obra de arte que cada flor representa, o painel foi sendo completado dia após dia, em várias horas de partilha de tarefas.
Por fim, um quadro cheio de beleza salta à vista, pronto para a procissão das velas, onde cada flor representa a nossa comunidade unida que, com todo o amor, fez e ofereceu… Flores para Maria.
Nascida em Portugal numa família de Marias, claramente que a milésima geração desta família teria de ser Maria também! Cinco letras pesadíssimas e cada uma com a sua responsabilidade de fazer sentir à portadora deste nome quão importante é “Ser Maria”.
A verdade é que sempre quis ser Carlota. E é verdade também, ou pelo menos assim diz a minha mãe Maria Teresa, que quase o fui. Diz também minha mãe que sentiu que Carlota ou Maria Carlota não seria o ideal, sendo que cada vez que alguma Maria tem um segundo nome toda a gente opta por lhe chamar o outro que não é, claro está, Maria. Foi então que fiquei Maria. Simplesmente Maria. Sem segundo nome ou oportunidade para alcunhas. Foi pesado.
Todos sabem que a Margaridas chamamos “Megui” e que a Carolinas chamamos “Carol”, mas Maria não dá abébias. “Mary” is to english e a avó não consegue dizer. “Mari” é partilhado pelas Marianas e Maria merece título individual. “Riri” é estranho e faz-me comichão. E podíamos ficar aqui a falar sobre as mais diversas possibilidades de alcunhas, mas a verdade é que depois de tantos anos conformei-me com ser Maria. Simplesmente Maria. E com essa conformidade vem a consciência de que não sou simplesmente Maria. “Ser Maria” é ter a vontade de Mudar o mundo. “Ser Maria” é Amar intensamente. “Ser Maria” é Rir e sorrir. “Ser Maria” é Iluminar mesmo quando tudo parece ser noite. “Ser Maria” é acreditar.
E de repente “Ser Maria” já não parece fácil e banal. É pesado! Mas não em jeito de peso ou quilogramas, antes em linguagem corriqueira, pesado de “cool” sabem?
Hoje se me perguntarem o nome respondo sempre “Maria” e como sempre recebo um “Maria quê?”.
Ao falarmos de Maria, estamos a falar daquela que foi a portadora da Salvação, a “Theotokos”, ou seja, a mãe de Deus. É nela que ressalta a alegria do Evangelho, é nela que o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
Assim, é importante falarmos dela e da sua relevância, quer no âmbito histórico (de Portugal e da Igreja), quer de um ponto de vista litúrgico. Só assim poderemos, verdadeiramente, aferir da importância que Nossa Senhora tem para nós e para o modo como nós a celebramos, estimamos e valorizamos.
Na história de Portugal
Embora o culto mariano seja de antiga tradição em Portugal, há momentos que, ao falarmos deste assunto, importa relevar sobremaneira.
A primeira grande referência é a da promessa feita por D. João I (à data Mestre de Avis) a Maria dizendo que ia erigir um mosteiro em seu nome caso o exército português saísse vencedor. Ora, como sabemos, a Batalha de Aljubarrota foi ganha pelos portugueses e, portanto, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Mosteiro da Batalha) foi erigido.
Outro episódio importante da história portuguesa relacionado com Maria deve-se ao facto de a Dinastia de Bragança não usar coroa. Isto acontece, sobretudo, porque D. João IV coroou Nossa Senhora como Rainha de Portugal e “protetora da coroa” após a Restauração. Daqui decorre que os reis portugueses não mais usassem coroa até 1910, ou seja, até ao fim da monarquia.
Acabada a monarquia seguiu-se o período da Primeira República, regime marcado pelo signo anticlerical e, concretamente, com a perseguição à Igreja. O que poderia ter vindo alterar a “relação” portuguesa com Maria foi interrompido, pois em 1917 numa pequena aldeia perto de Ourém, três pastorinhos afirmaram ter visto uma “Senhora mais brilhante do que o Sol” – começava assim a história de Fátima. Por aquela altura, a relação dos portugueses com o culto mariano atingiu níveis, diria, estratosféricos. Afinal, para um regime que era contra a Igreja, com uma população maioritariamente católica, existirem visões (erradamente chamadas aparições) da “Mãe de Deus” fez com que este acontecimento se tornasse não apenas facto religioso, mas também social e político. Aliado a isto, num país que tinha jovens a morrer na Flandres nas batalhas da Primeira Guerra Mundial, a mensagem de Fátima que nos mandava rezar pelo fim da guerra – isto deixa-nos perceber a importância deste acontecimento para o Portugal do primeiro quartel do século XX. Esta relação perdura em Portugal e no mundo e conta com a peregrinação de sucessivos Papas: desde PauIo VI a Francisco todos cá vieram.
Na história da Igreja
Falar de Nossa Senhora e não falar da sua história na Igreja é sobejamente reduzido. Assim, para podermos falar deste tema temos de começar por falar da Igreja primitiva, em Jerusalém, no século V. Lá terá começado este culto, por isso podemos apelidar a Cidade Santa como “berço litúrgico do louvor de Maria”[1]. Nela já se celebrava o dia 15 de Agosto, à época chamada festa da “Dormição de Maria”, juntamente com outras cinco festas, a saber: Nascimento de Maria (5/9), Apresentação no Templo (21/11), Parabéns à Virgem por dar à Luz o seu Filho (26/12), o Encontro com Simeão (2/2) e, por fim, a Anunciação (25/3)[2]. Com este fervor litúrgico, não é difícil adivinhar que o culto se tenha espalhado de Jerusalém por todo o Oriente, influenciando Roma, como veremos de seguida.
Em Roma existia também um culto mariano, paralelo ao de Jerusalém, sendo visível já nas celebrações, sobretudo na Oração Eucarística. Porém, é com o Concílio de Éfeso (em 431) que se fundem as tradições orientais e ocidentais, o que acontece até hoje, e é visível na piedade Católica.
A importância deste concílio foi tal que, quando terminou, o Papa Sisto III mandou erigir a terceira das basílicas papais – Santa Maria Maior, onde está o ícone Salus Populi Romani e, mais recentemente, onde está sepultado o Papa Francisco.
Juntamente com a influência de Jerusalém surgiram, no calendário litúrgico, quatro festas: Santa Maria Mãe de Deus (1/1), Purificação de Maria (2/2), Anunciação (25/3) e o Nascimento de Maria (8/9). A única que ficou excluída do culto romano foi a Apresentação de Maria no Templo.[3]
Com isto, no avançar dos séculos, muito poderíamos dizer sobre as festas de Nossa Senhora, pelo que importa ressaltar algumas delas. Na Idade Média a Visitação; nos século XVII e XVII com as festas de Nossa Senhora das Mercês e de Nossa Senhora do Monte Carmelo; no século XIX com as aparições de Lourdes, entre uma miríade de outras festas que poderíamos referir. Assim, este culto foi evoluindo e sendo alargado até à segunda metade do século XX no Concílio Vaticano II, que de seguida abordaremos.
Concílio Vaticano II
Falar do Concílio Vaticano II é falar da revolução que devolveu a centralidade do culto eucarístico, como foco da piedade cristã. Este radicalismo (da origem da palavra raiz), ou seja, ir à fonte litúrgica, veio colocar Maria em destaque, sendo referida como “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus”. Com isto, assistimos à supressão de três memórias (Dores, Santíssimo Nome e Mercês) e duas festas passaram a ser consideradas do Senhor (Anunciação e Apresentação de Jesus no Templo). Deu-se lugar, ainda, à reorganização das festas de acordo com a sua importância[4].
Para além disso, assistimos ao surgimento do lecionário das festas de Maria, que procedeu à reorganização das respetivas leituras. É, ainda, importante referir as orações das festas marianas alteradas para introduzir referências e elementos de louvor e pedidos de intercessão da Virgem[5].
Por fim, para rematar esta reforma, S. Paulo VI, na Exortação Apostólica Marialis Cultus, indica que Maria é modelo da Igreja em variadas dimensões, como, por exemplo: oração, saber ouvir, ser mãe, ser oferente, mestra de vida espiritual e, por fim, imagem da própria Igreja.[6]
Concluindo, é importante lembrar, como diz D. José Cordeiro, que “o Ano Litúrgico celebra sempre o mesmo, isto é, o único mistério pascal de Cristo”[7]. Por isso, é importante termos sempre presente que o culto mariano não deve, melhor, não pode ser transformado em adoração, mas em veneração que exalte a dimensão da “presença permanente” da celebração dos mistérios de Cristo.
Portanto, não nos podemos nunca esquecer do que nos diz Santo Ambrósio:
“Maria é o Templo de Deus, não o Deus no Templo. Por isso só aquele que fez maravilhas no templo é digno de adoração.”[8]
____________________________________ [1]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, pág. 304. [2]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 305 e ss. [3]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 305 a 306. [4]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 310 e ss. [5]Idem 3. [6]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 352 e ss. [7]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 296 e ss. [8]A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 299.
És a Rainha do Céu, mas a tua alegria maior é estar junto a nós, aqui na Terra.
Ao longo de maio, no meio da turbulência, destes dias, vamos sentir-te muito próxima.
Vens ensinar-nos a oferecer hospitalidade àquele acontecimento que nos bate à porta
e que nem sempre somos capazes de aceitar e compreender no imediato,
para, depois, na intimidade, no diálogo com Deus, na respiração da oração,
pacientemente, humildemente, descermos às raízes da sua verdadeira significação.
Era assim que agias: silente, acolhias o insondável
e aguardavas, confiante, a aclaração de Deus.
Ao teu jeito, conseguiremos ‘ler’ mais adiante o que ainda não entendemos hoje.
Por agora confrontamo-nos com as contingências que nos determinam,
mas não nos subjugam.
Que este tempo de resiliência faça amanhecer uma primavera nova nas nossas vidas.
Ao teu lado redescobriremos o encanto da palavra ‘Encontro’:
quando soltamos o liame dos preconceito e dos fundamentalismos,
derrubamos os muros que nos separam em classes, colorações de pele,
motivações políticas, crenças religiosas, hierarquias aberrantes,
egocentrismos enfermiços, e nos permitimos peregrinar unicamente
com a roupagem da nossa comum e frágil humanidade.
Só com as mãos ligadas e corações estreitados, numa cumplicidade fraterna,
é possível aventurarmo-nos na travessia dos espaços e dos tempos
que nos ligam ao futuro.
Contigo, Maria, novos perfumes virão aromatizar a sequência dos dias
e colori-los de esperança.
E escutaremos um pedido que não te cansas de repetir em cada uma das tuas visitas:
“Façam tudo o que Jesus vos disser.”
Bem-vinda sejas, Maria!
P. Carlos Jorge, in VENTO NESTE CAMINHO DE PEDRAS,
de P. Carlos Jorge (textos), Carina Tavares e João Afonso (ilustrações)