by Padre Fernando R. da Fonseca, SCJ | Jun 23, 2025
Em junho, ocorre normalmente a Solenidade do Sagrado Coração de Jesus e, por tradição, todo o mês lhe é dedicado.

Imagem da capela do Seminário de Alfragide
A devoção ao Coração de Jesus, tão querida do nosso povo cristão, tem as suas raízes na Sagrada Escritura, particularmente nos escritos de São João Evangelista e nas Cartas de São Paulo. Os Padres da Igreja deram grande atenção ao mistério do Lado aberto do Salvador. Os monges e monjas medievais, ao contemplarem as Santas Chagas do Crucificado, detiveram-se particularmente na do Lado e penetraram até ao Coração do Senhor. A devoção, inicialmente de elites espirituais, popularizou-se depois das aparições a Santa Margarida Maria Alacoque, iniciadas em 1673.
O Papa Francisco dedicou a sua última encíclica, a Dilexit nos [1](Amou-nos), ao Sagrado Coração de Jesus. É uma fonte de inspiração para quem se propõe conduzir uma vida cristã cordial, centrada em Cristo e atenta aos irmãos. Francisco retoma a tradição e a atualidade do pensamento da Igreja “sobre o amor humano e divino do coração de Jesus Cristo”, convidando-nos a renovar a nossa devoção para não esquecermos a ternura da fé, a alegria de nos colocarmos ao serviço e para nos animarmos a um novo impulso missionário. No Coração de Cristo, “reconhecemo-nos e aprendemos a amar”, tornamo-nos “capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum”, de avançarmos na experiência espiritual pessoal do Senhor e no compromisso comunitário e missionário. Francisco acredita que o nosso mundo, graças à devoção ao Coração de Jesus, “possa recuperar o que é mais importante e necessário: o coração”. O amor de Deus revelado em Jesus Cristo é fonte que nos impulsiona a amar os outros, a mudar a sociedade e a construir a paz através do diálogo e do respeito pelo próximo.
A encíclica Dilexit nos foi um precioso legado que o saudoso Papa Francisco deixou à Igreja. Nós, Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos, recolhemo-lo com muita gratidão. A encíclica anima-nos na vivência da nossa vocação e missão, porque nela encontramos elementos fundamentais do nosso carisma: a importância dada ao Lado aberto e ao Coração trespassado do Salvador, máxima expressão do seu amor divino e humano; a espiritualidade oblativa que nos inspira a unir-nos a Cristo no seu amor ao Pai e aos homens; a indicação do valor a dar ao coração e à cordialidade, estilo de presença e de ação que procuramos cultivar; a proposta de uma espiritualidade que nos abre à missão e ao serviço dos irmãos. Para Francisco, como para o Padre Dehon, a contemplação do Lado aberto e do Coração trespassado de Cristo impele-nos a corresponder ao seu amor, a inserir-nos no movimento redentor que Ele iniciou no mundo, e a doar-nos aos irmãos com e como Ele. A nossa adesão cordial a Cristo empenha-nos no apostolado e no serviço das pessoas.

Fundador com as Constituições da Congregação (Regra de Vida) e a imagem do Sagrado Coração de Jesus
Uma das dimensões da devoção ao Coração de Jesus é a reparação. Francisco aponta-a como “unir o amor filial para com Deus ao amor do próximo”. E acrescenta: “É essa a verdadeira reparação pedida pelo Coração do Salvador… com Cristo, somos chamados a construir uma nova civilização do amor. “Isto é reparar conforme o que o Coração de Cristo espera de nós…” Ele “quis precisar da nossa colaboração para reconstruir a bondade e a beleza”.
Estas perspetivas constam nas Constituições da Congregação, que apresentam a reparação como “acolhimento do Espírito”, “resposta ao amor de Cristo por nós”, “comunhão no seu amor ao Pai”, “cooperação na sua obra redentora no coração do mundo”. Esta cooperação inclui o anúncio da Boa Nova e a promoção dos pobres e pequenos. Foi esse o modo como Leão Dehon entendeu e viveu a devoção ao Coração de Jesus e a reparação.
As práticas tradicionais de devoção: Primeiras sextas-feiras, Missa e Comunhão reparadoras, Adoração eucarística e Hora Santa, recitação das Ladainhas e festa do Sagrado Coração de Jesus, oferta das obras do dia e Ato de desagravo continuam válidas para alimentar a devoção. Sem elas, corremos o risco de esquecer a própria devoção. Mas o culto ao Coração de Jesus, como Francisco ensina, leva necessariamente a procurar “o crescimento das pessoas na sua dignidade humana e como filhos e filhas de Deus, com base no Evangelho e nas suas exigências de amor, perdão, justiça e solidariedade”.
[1] https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/20241024-enciclica-dilexit-nos.html
by Padre Fernando R. da Fonseca, SCJ | Mai 6, 2025
O Padre Leão Dehon, fundador da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus, Dehonianos, nasceu a 14 de março de 1843, em La Capelle, diocese de Soissons, em França.
A família e os estudos e a vocação
Filho de uma família burguesa rural, recebeu uma boa educação. A mãe, Estefânia Vandelet, mulher piedosa, formou-o na fé e transmitiu-lhe a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. O pai, Júlio Dehon, homem bom, não frequentava a igreja. Aos 14 anos de idade, Leão sentiu o apelo de Deus para se tornar sacerdote. O pai opôs-se. Tinha outros sonhos para o filho. Assim, quando concluiu os estudos liceais, Leão matriculou-se em Direito, na Sorbonne.

Doutor em Direito
O jovem estudante encontrou em Paris bons sacerdotes que o ajudaram a crescer na fé e a dar resposta à sua vocação. Todas as manhãs, antes de sair para as aulas, com o amigo Leão Palustre, estudante de História e Arqueologia, rezava, lia e meditava a Sagrada Escritura. Os dois jovens empenharam-se também na catequese das crianças, na Conferência de São Vicente de Paulo, e frequentavam os grupos de estudantes que debatiam questões políticas, sociais e religiosas da atualidade.
Aos 21 anos, Leão Dehon alcançou o grau de doutor em Direito Civil. Regressou à sua terra e, em casa, informou os pais de que estava decidido a cumprir o sonho de ser sacerdote. Gerou-se grande tensão na família. O pai continuava a opor-se. A mãe chorava. Interveio o amigo Leão Palustre, que o acompanhara, propondo ao Sr. Júlio Dehon que deixasse o filho acompanhá-lo numa viagem pelos Balcãs, Grécia, Egito e Médio Oriente. Júlio Dehon aceitou a proposta, na esperança de que a viagem fizesse esquecer ao filho a vocação.

Peregrino no Médio Oriente
Os dois amigos partiram para uma longa viagem de nove meses. O interesse pela arte, pela história e pela arqueologia dominou-lhes o espírito até chegarem a Jerusalém. Ali, como recorda Leão Dehon, a viagem tornou-se fervorosa peregrinação, até porque chegaram em plena Semana Santa. O jovem doutor mais se firmou no propósito de se tornar sacerdote.
Em Roma
No regresso, ao chegarem à Áustria, Leão Palustre prosseguiu a viagem para França, enquanto Leão Dehon seguiu para Roma. Ali conseguiu uma audiência com o Papa Pio IX, a quem expôs o seu projeto vocacional. O Papa aconselhou-o a matricular-se no seminário francês junto ao Panteão. Dehon foi a França despedir-se da família e regressou a Roma para iniciar a sua formação com vista ao sacerdócio.
Na Cidade Eterna, Leão Dehon doutorou-se em Filosofia, Teologia e Direito Canónico. Participou como estenógrafo no Concílio Vaticano I, facto que lhe deu uma excelente experiência e visão da Igreja. Foi ordenado sacerdote a 19 de dezembro de 1868, celebrando missa nova no dia seguinte. Os pais participaram nas celebrações. O Sr. Júlio Dehon, finalmente rendido, voltou à prática religiosa.

Na fundação da Congregação
Em novembro de 1871, o jovem sacerdote tornou-se sétimo vigário na Basílica de S. Quintino, na sua diocese, Soissons. Preocupado com a situação religiosa e social da paróquia, iniciou uma série de atividades que culminaram na Obra de São José, verdadeiro centro paroquial com diversas valências para apoio de crianças, adolescentes, jovens, adultos e famílias. Ali era dada a todos boa formação cristã, cívica e social. Havia uma caixa de poupança para os operários e uma cooperativa para construção de casas. Círculos, ou grupos de estudo, procuravam dar formação adequada a operários e patrões. Para a Juventude, Dehon criou o Colégio São João. Para divulgar a doutrina social da Igreja, organizou congressos, criou um jornal, escreveu em revistas e publicou diversos livros que tiveram grande sucesso.
Em 1878, o Padre Dehon emitiu os seus votos religiosos diante de uma bela imagem de Nossa Senhora do Sagrado Coração, que lhe fora oferecida por Pio IX. Assim deu início à Congregação dos Sacerdotes do Coração do Jesus, ou Dehonianos, que vivem da sua inspiração evangélica e continuam a sua missão na Igreja e no mundo.
Depois de uma vida longa e intensa, ao serviço do Reino do Coração de Jesus, o Padre Dehon faleceu santamente a 12 de agosto de 1925, em Bruxelas. Celebra-se este ano o centenário da sua morte e inicia-se um período de preparação para o jubileu dos 150 da fundação da Congregação, em 2028.
Com o seu grande amor ao Coração de Jesus, o Padre Dehon cultivava uma especial devoção ao Coração Imaculado de Maria e a Nossa Senhora do Sagrado Coração… Escolheu como saudação habitual entre os seus religiosos a expressão: “Viva o Coração de Jesus; por meio do Coração de Maria”. A seu exemplo, os Dehonianos prestam particular amor ao Coração de Jesus, na sua disponibilidade para cumprir a vontade de Deus Pai — Eis-me aqui! — e grande devoção a Maria, também ela disponível para os projetos de Deus Pai: eis a serva do Senhor!