Síndrome do pensamento artificial – A doença do novo século

Síndrome do pensamento artificial – A doença do novo século

Quando ouvimos falar de Inteligência Artificial parece que voltámos à juventude de muitos e ao olhar com espanto os avanços do “Espaço 1999”. De facto, assistimos a uma (r)evolução rápida de tudo o que chamamos tecnologia. Metade de quem lê este artigo ainda se lembra da primeira televisão que teve em casa e de como a família se juntava à volta dela. A outra metade… vai achar isto tudo muito pré-histórico!

O facto é que a tecnologia está para ficar e todos temos de saber lidar com ela. A nova tendência mediática: falar sobre a inteligência artificial e o papão que ela parece ser… “Meu Deus! Vai ser a desgraça do mundo!” (e aqui a primeira referência a Deus!)

À pergunta de um grupo de alunos de 14 anos sobre a Inteligência Artificial e o que eu acho dela, respondi com a expressão do costume um bocadinho enviesada: “Se não a podes vencer, continua a usá-la!”

Sim, continua! A Inteligência Artificial já está presente em muitas situações da nossa vida: desde a utilização desenfreada do Waze, recomendações de conteúdo quando navegamos em redes sociais ou até mesmo os chatbots de atendimento (ligações para bancos ou comércio online). Muitos serviços de saúde, educação e até gestão pública estão imersos em processos ligados à Inteligência Artificial.

Mas o que tem isto a ver com Deus? Connosco, cristãos comprometidos na construção do reino de Deus na terra?

Desde o Concílio Vaticano II que a Igreja acolhe positivamente o progresso científico desde que esteja ao serviço da pessoa humana.

“As conquistas da inteligência humana são sinal de grandeza do espírito humano, dom de Deus, e devem ser ordenadas ao bem do Homem.” (Gaudium et Spes, n.º 33)

No entanto, o mesmo documento adverte que o uso da ciência e da técnica (onde podemos enquadrar completamente a utilização da Inteligência Artificial) exige responsabilidade ética, pois nem todo o avanço técnico é moralmente aceitável. E aqui está a ligação que vos quero deixar. Inteligência Artificial e Ética.

O nosso saudoso Papa Francisco alertava para os riscos de uma tecnologia sem alma: “A tecnologia separada da ética conduz a uma forma de poder que não respeita o homem” (Laudato Si’, n.º 136). Esta não utilização ética da tecnologia pode provocar a exclusão digital dos mais pobres, a manipulação dos dados e da verdade e a desumanização das relações sociais, só para registar algumas.

Uma das situações amplamente discutidas é o perigo da inteligência artificial se transformar em inteligência natural com capacidade de criar ligações que ultrapassem o limite do conhecimento e comecem a entrar no domínio do afetivo. Acredito que esta situação, apesar de não ser impensável, seja algo muito difícil de alcançar de momento, pois a Inteligência Artificial, apesar de simular o raciocínio humano, não possui consciência, vontade moral ou espiritualidade, pois só nós, o ser humano é “criado à imagem de Deus, é dotado de razão, liberdade e consciência moral” (Catecismo da Igreja Católica, n.º 1.705). Desta forma é e será sempre um erro atribuir valor moral ou espiritual a uma máquina.

E qual é o nosso papel de cristãos neste mundo tecnológico? Promover e debater este discernimento ético perante as novas tecnologias, ter uma consciência crítica no que vemos, lemos e ouvimos, tentar não excluir os menos favorecidos da utilização ética de toda a tecnologia e, acima de tudo, utilizar todos os contextos digitais para espalhar a verdadeira palavra e os valores do Evangelho, podem ser algumas formas de nos posicionarmos perante esta nova realidade.

Posso concluir que, para mim e à semelhança do que vou entendendo do percurso da Igreja Católica, o caminho é de equilíbrio: abraçar as oportunidades da Inteligência Artificial, não negligenciando os valores éticos e morais. O progresso técnico precisa de estar ao serviço da vida, da justiça e da paz e devemos todos contribuir para construir um futuro digital que respeite a dignidade de todos e promova o bem comum.

“A verdadeira sabedoria é fruto da reflexão, do diálogo e da busca da verdade com amor.”
Papa Francisco, Fratelli Tutti, n.º 47)