
Que país queremos ser?
A pergunta impõe-se: Que país queremos ser? O filósofo Mário Sérgio Cortella baliza as grandes tensões do comportamento humano entre o «quero», o «devo» e o «posso». Há coisas «que eu quero, mas não devo, há coisas que eu devo, mas não posso, há coisas que eu posso, mas não quero». O homem só consegue a «paz de espírito» quando «o que quer é o que pode e deve». As relações constroem-se neste eixo de dilemas, os critérios da demanda ética.
O país que queremos ser terá de ser também o que podemos e devemos ser com os povos e países que partilham o nosso «espaço». Os que nos são mais próximos em contexto regional e cultural, nas dificuldades e incertezas, com o devido enquadramento político e, consequentemente, de ética política e social. Mas um país que «quer ser», nos parâmetros da liberdade e da justiça, tem de ser capaz de pensar e repensar o futuro de forma soberana, com a cidadania como alicerce intransmissível. Salienta a economista Manuela Silva que as políticas públicas se inverteram. O objetivo é o défice e não o desenvolvimento económico-social e o bem-estar das populações. «Passaram as condicionantes a objetivos.» Acentuou-se o desequilíbrio. O País tende a ser o que podemos ter e é cada vez menos o que queremos e devemos ser, perdendo o azimute da justiça social.
Reformar, neste contexto, pode pôr em risco a já debilitada a confiança na democracia. Ora, a confiança é fator mais importante para o sucesso. Qualquer sucesso. No diálogo político e social, ganhar confiança exige a coerência e o exemplo. É difícil obtê-la e muito fácil perdê-la.
Alain Peyrefitte reflete sobre o «ethos de confiança», sustentado no exemplo das estruturas de inspiração religiosa, mobilizadoras da sociabilidade de grupo, da proximidade e da partilha, da escuta e da «verdade», capazes de contrariar o individualismo liberal ou os pragmatismos pessimistas e cortantes. Uma dinâmica com a salvaguarda do eterno «abstrato» e «inatingível», enquadrada-se numa «procura» que se concretiza nas relações entre as pessoas e das pessoas com o «desconhecido», desencadeando uma orientação ética e moral. O «quero», mediado pelo «posso» e pelo «devo». Vislumbra-se a cultura da ação na base da gratuitidade, que acaba por ir além da própria dinâmica religiosa, contagiando uma cidadania ativa e direta, que encontra soluções onde a criatividade teórica não chega, que não prescinde do olhar, do encontro e dos afetos.
Criou-se um paradigma de vivência e convivência, alicerçado na dimensão do consumo, na tentação do supérfluo. O gozo pontual e vicioso de «ter» sobre o princípio do «ser». Um estilo de vida mais materialista que, como se vê, entrou em fase de esgotamento. (…)
A ambição, entre a utopia e o desafio de humanidade é a de fazer com que este conceito de desenvolvimento, integral e sustentável, que começa numa opção individual, se sobreponha aos gráficos estatísticos de um qualquer crescimento económico, numa qualquer conferência de imprensa, de um qualquer ministro e qualquer que seja o governo.
Esta é a mais importante «refundação» que um povo pode fazer. Pode e deve. Mas será esse o país que queremos ser?
In Com Franqueza…, Paulinas Editora, 2015 (adaptado)
Publicado inicialmente a 27 de novembro de 2012