“As fronteiras do meu ‘eu’ estavam encerradas”
4 Setembro 2015
Chamo-me Abidan. Estava junto de Eliab, quando Jesus o curou.
Jesus falava para o meu amigo, mas aquele ‘abre-te’ chegou como se fosse para mim.
Eu não era fisicamente surdo, como Eliab, mas inferi que padecia de outra surdez.
Verifiquei que apenas ouvia uma voz: a minha. Nenhuma mais.
Estava enclausurado no meu egocentrismo, enriçado num estéril palavrório interior.
Ouvia com os ouvidos, mas estava blindado às sonâncias essenciais da vida,
porque, essas, somente entram pela audição do coração; e o meu estava bem fechado.
Eliab era mudo porque era surdo. Eu também, só que de forma diferente.
Ouvia bem, mas não escutava ninguém. As fronteiras do meu ‘eu’ estavam encerradas.
Era uma ilha sem cais de acostagem. Nada entrava e nada saía.
Mas, como é possível avançar pelos dias, se nos trancamos dentro de nós,
entranhados em locuções, só nossas, que não se misturam com mais nenhumas?
Aquele ‘effathá’, saído de Jesus, e que me atingiu de surpresa, sarou a minha ‘surdez’.
Abri-me à sonoridade dos instantes, às melodias e ritmos dos sentimentos.
Passei a captar, com clareza, a harmonia de um sorriso e o murmúrio de uma lágrima.
Comecei a forjar e partilhar palavras com alma, capazes de alcançar e abraçar outras.
“Jesus faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.”
Ambos ressurgimos: Eliab, para a vida dos sons; eu, para os sons da vida. | PCJ