“E eles contaram o que lhes tinha acontecido pelo caminho e como Jesus se lhes dera a conhecer pelo partir do pão.” (Lc 24:35).
O Senhor, após a sua Ressurreição, dá-se a conhecer aos discípulos de Emaús ao partir do pão. É como se já estivesse a antecipar esta Sua solenidade. É neste episódio sobejamente conhecido que está o fundamento teológico e litúrgico desta celebração, que em Portugal tem tanta adesão.
É nesta atualização da sua Ceia, Paixão e Ressurreição que Ele revela o seu projeto para nós – que o comamos para, assim, nos tornarmos sacrários vivos!
Origem
Afinal, onde teve esta celebração a sua origem? A resposta é simples, nasceu no século XIII, mais propriamente em 1265 por ordem do Papa Urbano IV de uma necessidade de reafirmar a verdadeira presença de Cristo no pão e no vinho. Esta necessidade surgiu devido a uma heresia que defendia que a consagração era apenas um ato simbólico (algo que acontece hoje também, mas já lá vamos).
No calendário litúrgico esta é uma celebração móvel, ou seja, depende das outras solenidades. Como tudo o que é data na Igreja, esta celebração está dependente da Páscoa (afinal é daí que nascemos e para lá vamos). Da Páscoa, mais propriamente da celebração que se segue ao término do Tempo Pascal – A Santíssima Trindade (que acontece 60 dias após a festa maior da nossa fé). Assim, a solenidade do Corpo de Deus, como é vulgarmente conhecida, acontece na quinta-feira a seguir à solenidade anteriormente referida.
Porque o celebramos?
É importante celebrar esta solenidade se, afinal, celebramos a Eucaristia todos os dias? A resposta imediata é sim!
Para isso, basta que regressemos à bula que cria esta solenidade. Nela, o Papa Urbano IV, refere que “embora a Eucaristia seja celebrada todos os dias, na nossa opinião, é justo, que, pelo menos uma vez ao ano, se lhe reserve mais honra e mais solene memória” [1]. Não que Ele precise, mas nós sim… A reforçar esta ideia temos ainda o Papa Bento XVI, de boa memória, que nos diz que o mistério eucarístico “é a doação que Jesus Cristo faz de si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem”. [2]
Que sinais especiais temos?
Neste dia, a Igreja recomenda que se realize uma procissão para mostrar ao mundo a face real do Amor de Deus – um pedaço de pão (sempre os sinais, estão lembrados?).
Em Lisboa, cidade em que esta devoção é ainda assinalada, realizamos a procissão do Corpo de Deus, presidida pelo Patriarca, que termina às portas da Sé com a bênção da cidade com o Santíssimo Sacramento.
Quando estas procissões não são possíveis, pelo menos, que se possa deixar o Santíssimo exposto para adoração na custódia para que nós o façamos com toda a solenidade e devoção.
Isto ainda faz sentido?
Diria que nunca, como hoje, fez tanto sentido celebrarmos esta solenidade e vivermos (atualizarmos até) com força o que aqui celebramos. A atestar esta necessidade está uma sondagem feita pelo Pew Forum às dioceses norte-americanas, onde se perguntava aos fiéis se a presença de Cristo na hóstia consagrada é real. A resposta foi esmagadora. Cerca de dois terços dos inquiridos diziam acreditar que o momento da consagração, nada mais é do que simbólico (volvidos mais de 700 anos da bula de Urbano IV) [3].
Ora, isto faz com que se torne necessário, diria até premente, que celebremos e vivamos, de facto, a sempiterna renovação do mistério da Eucaristia nas nossas vidas. Este mistério que se vai renovando e incitando à conversão.
Em suma, nesta celebração saibamos sempre que estamos a viver o amor Dele por nós, que nasceu na criação e se estende até hoje. Saibamos, pois, reconhecer este Amor maior, primeiro, verdadeiro e total.
[1] Bula Transiturus de hoc mundo
[2] Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis
[3] Dom Robert Barron, Isto é o meu Corpo, Ed. Paulus.