Nos Passos de Santo António – Uma viagem medieval, de Gonçalo Cadilhe (2016)

Imagem ©Sermão de Santo António aos peixes. Óleo sobre tela, Paolo Veronese, 1580, Galleria Borghese, Roma.

Na Nota Introdutória do livro Nos Passos de Santo António – Uma viagem medieval, o autor, Gonçalo Cadilhe, avisa, desde logo, o leitor:

“Este olhar sobre Santo António não é o de um devoto, nem o de um historiador, nem o de um antropólogo da religião. Este é o olhar de um viajante. De um companheiro de marcha que fez a mesma viagem ‘algum tempo’ depois.”

O livro oferece uma envolvente viagem literária e espiritual pela vida de um dos santos mais venerados do cristianismo: Santo António de Lisboa (fora de Portugal, mais conhecido como Santo António de Pádua). A obra, acessível e rica em pormenores históricos, combina elementos de biografia, espiritualidade e peregrinação com impressões de percurso do viajante do século XXI, seguindo as pegadas do santo desde o seu nascimento em Lisboa, até à sua morte em Pádua, passando por momentos decisivos da sua vida e missão, que incluíram Marrocos, Sicília, sul de França e diversas zonas de Itália.

Nascido em 1195, em Lisboa, no seio de uma família nobre, Fernando de Bulhões — nome de batismo de Santo António — mostrou desde jovem uma inclinação profunda para a vida religiosa. Ingressou, primeiro, nos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho [1], no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, e, mais tarde, em Coimbra. No entanto, a sua vida sofreu uma viragem radical ao entrar para a recém-fundada Ordem dos Frades Menores [2], fundada por São Francisco de Assis, adotando então o nome António.

O livro sublinha esta transformação como um ponto de rutura espiritual e existencial. A decisão de abandonar a estabilidade dos Cónegos Regrantes e abraçar a pobreza radical dos franciscanos revela o compromisso profundo com o Evangelho e a missão apostólica. É neste momento que Santo António inicia verdadeiramente o percurso que o levará a tornar-se um dos maiores pregadores da cristandade.

A ligação entre Santo António e São Francisco de Assis [3] é um dos pilares centrais do livro. Embora os dois santos, segundo a tradição, só se tenham encontrado uma vez, o impacto espiritual de Francisco na vida de António foi determinante. Francisco representava o modelo de entrega, humildade e serviço que António procurava seguir. Através da Ordem Franciscana, Santo António encontrou um espaço para conjugar a vida de oração com a ação evangelizadora. O livro descreve como a eloquência, o conhecimento teológico e a profunda empatia com os mais desfavorecidos fizeram de António um pregador sem igual, que soube comunicar tanto com os simples como com os eruditos.

A obra acompanha o santo em viagens por Itália e França, sublinhando o seu papel na luta contra heresias que então marcavam a cristandade medieval e na defesa dos valores evangélicos, mas também mostra o lado humano e contemplativo da sua vida. Em Pádua, onde morreria, em 1231, deixou marcas profundas como defensor dos pobres, das mulheres maltratadas e das vítimas de injustiça social.

Conjugando o diário da sua viagem, que o leva a utilizar transportes apinhados de imigrantes, a percorrer caminhos a dois mil metros de altitude e a visitar ermos impressionantes, Gonçalo Cadilhe [4] recria a vida de Santo António e a atmosfera do início do século XIII (a Reconquista Cristã, o espírito das Cruzadas, os conflitos entre o Papa e o Imperador, a amizade com S. Francisco de Assis) e ajuda o leitor descobrir afinidades entre dois séculos, tão distantes, mas, por vezes, tão próximos, nas perplexidades que provocam.

Nos Passos de Santo António é, assim, mais do que uma simples biografia: é um convite a ir além da imagem trivial do “santo casamenteiro” e a redescobrir um itinerário espiritual marcado pela humildade, pela viagem como descoberta, pelo saber e pela compaixão. Ao destacar a sua ligação a São Francisco de Assis, o escritor-viajante constrói uma biografia humana, por vezes polémica, de uma vida inspirada no Evangelho e também ela inspiradora, mostrando como a vida de Santo António é inseparável do ideal franciscano de pobreza evangélica e fraternidade universal, de que o nosso mundo tanto carece.

Este livro deu origem a um documentário, produzido pela RTP, em 2017, que pode ser visto aqui:
https://www.rtp.pt/play/p3590/nos-passos-de-santo-antonio

 

[1] https://santoantonioolivais.pt/conegos-regrantes-de-santo-agostinho/
[2] https://ofm.org.pt/
[3] https://ofm.org.pt/franciscanos/sao-francisco-de-assis/
[4] https://goncalocadilhe.com/