Sempre disse que queria sair de Portugal. Para mim era pequeno. O canto mais pequenino da Europa que me fazia ter a vontade de sair e ver o mundo. Tanta era a vontade e o desejo de ir que numa manhã fria de dezembro acordei para ir sem saber se ia voltar. A vida que tentei enfiar em quatro malas acompanhou-me silenciosa até ao aeroporto onde por entre lágrimas disse o meu primeiro adeus. Acho que nunca tinha percebido o significado da palavra adeus até ir. Mascarei o adeus de “até já” para diminuir a dor de ver ficar para trás os que amo, mas nem assim se acalmou o coração que entre batimentos chorosos tentava ser forte para acalmar o coração da mãe que ficava a um continente de distância.
Depois de quatro longas horas aterrei pela primeira vez em “casa”. “Senhoras e senhores passageiros, sejam bem-vindos” a Oslo, capital da Noruega, casa dos vikings. Para alguém que nunca tinha visto neve aterrar na capital nevada com menos 16º Celsius no termómetro teve algo de mágico. O povo frio deixou a desejar, mas também nunca fui de primeiras impressões.
Três anos se passaram desde aquele dia. Hoje a vida é passada entre videochamadas e abraços virtuais.
A cultura norueguesa cresceu em mim e ajudou-me a ser mais descontraída e relaxada, uma cultura em que os acontecimentos sociais se passam em casa porque sair de casa é caro, a sauna é uma palavra normal no vocabulário e não algo fino, comer tacos todas as semanas é tradição e a hora de ponta acontece entre as 15h30 e as 16h. Acho que aqui existe um maior equilíbrio entre o trabalho e a vida social e isso agrada-me muito.
A língua norueguesa é no mínimo confusa. Oiço-os sempre a cantar a toda a hora. Acentuações diferentes e com diferentes dialetos por cada cidade. Trocando isto por miúdos, cada cidade tem a sua forma de dizer as mesmas palavras com fonéticas diferentes o que, como devem calcular, torna o norueguês muito fácil de aprender. Já mencionei que existem dois tipos de norueguês? O “Antigo Norueguês” (que na realidade se chama “Novo Norueguês” quando traduzido diretamente de norueguês para português) e o real “Novo Norueguês”. Uma vez mais, nada confuso…
Os hábitos e as rotinas mudaram. O pequeno-almoço é tardio, o almoço é pão ou fruta e o jantar acontece entre as 17h e as 19h. É normal ver pessoas a correr por desporto na neve e nem vou começar a falar sobre a época das rodinhas (também conhecida como época das bicicletas e trotinetes) que constituem um perigo real para a sociedade entre maio e outubro. É estranho o verão. O sol nasce às 3h e põe-se às 23h e o calor vem de repente indo embora com a mesma rapidez.
A rotina com Deus também mudou. Em Portugal visitava-o todos os Domingos, mas aqui não tive outra escolha se não estar com Ele todos os dias. Acho que estar longe aprofundou a minha relação com Ele. Dava por mim a falar com Ele todos os dias nos mais diversos momentos e, pela primeira vez em muito tempo, deixei-me escutar. Hoje escuto mais do que falo. Existe algo reconfortante em deixar Deus falar e tentar escutar, a solidão torna-se pequenina e o propósito com que foste torna-se de novo reluzente. Atrevo-me mesmo a dizer que escutar Deus tornou a minha “aventura desconfortável” quase poética.
Não podia terminar este meu relato sem falar dos abraços virtuais brevemente mencionados uns parágrafos acima. Ir não é difícil só para quem vai, mas também para quem fica. Aprendi que, quando vais, só vai contigo quem te ama. Às vezes, para quem fica, a dor de te ver voar é tão grande que é mais fácil deixar-te ir do que permanecer contigo e, deixem-me que vos diga, está tudo bem! Não é por mal, é por amor. Os que permanecem, e que também te amam tanto, tornam o teu histórico de chamadas os abraços, os cafés, os jantares e as festas que ficaram por acontecer palpáveis. São a casa a que anseio voltar uma e outra vez. São cada letra da palavra “SAUDADE” que tatuo no meu corpo uma e outra vez quando saio de “casa” para ir para “casa”. Onde quer que esteja serão sempre parte de mim e eu parte deles.
Hoje o canto mais pequenino da Europa parece-me tão imenso. Orgulhosamente berço. Vemo-nos em breve “casa”, “olha à janela que eu estou a chegar”.
Maria da Silva Viegas
Oslo, 9/6/2025