Ao falarmos de Maria, estamos a falar daquela que foi a portadora da Salvação, a “Theotokos”, ou seja, a mãe de Deus. É nela que ressalta a alegria do Evangelho, é nela que o Verbo se fez carne e habitou entre nós.
Assim, é importante falarmos dela e da sua relevância, quer no âmbito histórico (de Portugal e da Igreja), quer de um ponto de vista litúrgico. Só assim poderemos, verdadeiramente, aferir da importância que Nossa Senhora tem para nós e para o modo como nós a celebramos, estimamos e valorizamos.
Na história de Portugal
Embora o culto mariano seja de antiga tradição em Portugal, há momentos que, ao falarmos deste assunto, importa relevar sobremaneira.
A primeira grande referência é a da promessa feita por D. João I (à data Mestre de Avis) a Maria dizendo que ia erigir um mosteiro em seu nome caso o exército português saísse vencedor. Ora, como sabemos, a Batalha de Aljubarrota foi ganha pelos portugueses e, portanto, o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Mosteiro da Batalha) foi erigido.
Outro episódio importante da história portuguesa relacionado com Maria deve-se ao facto de a Dinastia de Bragança não usar coroa. Isto acontece, sobretudo, porque D. João IV coroou Nossa Senhora como Rainha de Portugal e “protetora da coroa” após a Restauração. Daqui decorre que os reis portugueses não mais usassem coroa até 1910, ou seja, até ao fim da monarquia.
Acabada a monarquia seguiu-se o período da Primeira República, regime marcado pelo signo anticlerical e, concretamente, com a perseguição à Igreja. O que poderia ter vindo alterar a “relação” portuguesa com Maria foi interrompido, pois em 1917 numa pequena aldeia perto de Ourém, três pastorinhos afirmaram ter visto uma “Senhora mais brilhante do que o Sol” – começava assim a história de Fátima. Por aquela altura, a relação dos portugueses com o culto mariano atingiu níveis, diria, estratosféricos. Afinal, para um regime que era contra a Igreja, com uma população maioritariamente católica, existirem visões (erradamente chamadas aparições) da “Mãe de Deus” fez com que este acontecimento se tornasse não apenas facto religioso, mas também social e político. Aliado a isto, num país que tinha jovens a morrer na Flandres nas batalhas da Primeira Guerra Mundial, a mensagem de Fátima que nos mandava rezar pelo fim da guerra – isto deixa-nos perceber a importância deste acontecimento para o Portugal do primeiro quartel do século XX. Esta relação perdura em Portugal e no mundo e conta com a peregrinação de sucessivos Papas: desde PauIo VI a Francisco todos cá vieram.
Na história da Igreja
Falar de Nossa Senhora e não falar da sua história na Igreja é sobejamente reduzido. Assim, para podermos falar deste tema temos de começar por falar da Igreja primitiva, em Jerusalém, no século V. Lá terá começado este culto, por isso podemos apelidar a Cidade Santa como “berço litúrgico do louvor de Maria”[1]. Nela já se celebrava o dia 15 de Agosto, à época chamada festa da “Dormição de Maria”, juntamente com outras cinco festas, a saber: Nascimento de Maria (5/9), Apresentação no Templo (21/11), Parabéns à Virgem por dar à Luz o seu Filho (26/12), o Encontro com Simeão (2/2) e, por fim, a Anunciação (25/3)[2]. Com este fervor litúrgico, não é difícil adivinhar que o culto se tenha espalhado de Jerusalém por todo o Oriente, influenciando Roma, como veremos de seguida.
Em Roma existia também um culto mariano, paralelo ao de Jerusalém, sendo visível já nas celebrações, sobretudo na Oração Eucarística. Porém, é com o Concílio de Éfeso (em 431) que se fundem as tradições orientais e ocidentais, o que acontece até hoje, e é visível na piedade Católica.
A importância deste concílio foi tal que, quando terminou, o Papa Sisto III mandou erigir a terceira das basílicas papais – Santa Maria Maior, onde está o ícone Salus Populi Romani e, mais recentemente, onde está sepultado o Papa Francisco.
Juntamente com a influência de Jerusalém surgiram, no calendário litúrgico, quatro festas: Santa Maria Mãe de Deus (1/1), Purificação de Maria (2/2), Anunciação (25/3) e o Nascimento de Maria (8/9). A única que ficou excluída do culto romano foi a Apresentação de Maria no Templo.[3]
Com isto, no avançar dos séculos, muito poderíamos dizer sobre as festas de Nossa Senhora, pelo que importa ressaltar algumas delas. Na Idade Média a Visitação; nos século XVII e XVII com as festas de Nossa Senhora das Mercês e de Nossa Senhora do Monte Carmelo; no século XIX com as aparições de Lourdes, entre uma miríade de outras festas que poderíamos referir. Assim, este culto foi evoluindo e sendo alargado até à segunda metade do século XX no Concílio Vaticano II, que de seguida abordaremos.
Concílio Vaticano II
Falar do Concílio Vaticano II é falar da revolução que devolveu a centralidade do culto eucarístico, como foco da piedade cristã. Este radicalismo (da origem da palavra raiz), ou seja, ir à fonte litúrgica, veio colocar Maria em destaque, sendo referida como “Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus”. Com isto, assistimos à supressão de três memórias (Dores, Santíssimo Nome e Mercês) e duas festas passaram a ser consideradas do Senhor (Anunciação e Apresentação de Jesus no Templo). Deu-se lugar, ainda, à reorganização das festas de acordo com a sua importância[4].
Para além disso, assistimos ao surgimento do lecionário das festas de Maria, que procedeu à reorganização das respetivas leituras. É, ainda, importante referir as orações das festas marianas alteradas para introduzir referências e elementos de louvor e pedidos de intercessão da Virgem[5].
Por fim, para rematar esta reforma, S. Paulo VI, na Exortação Apostólica Marialis Cultus, indica que Maria é modelo da Igreja em variadas dimensões, como, por exemplo: oração, saber ouvir, ser mãe, ser oferente, mestra de vida espiritual e, por fim, imagem da própria Igreja.[6]
Concluindo, é importante lembrar, como diz D. José Cordeiro, que “o Ano Litúrgico celebra sempre o mesmo, isto é, o único mistério pascal de Cristo”[7]. Por isso, é importante termos sempre presente que o culto mariano não deve, melhor, não pode ser transformado em adoração, mas em veneração que exalte a dimensão da “presença permanente” da celebração dos mistérios de Cristo.
Portanto, não nos podemos nunca esquecer do que nos diz Santo Ambrósio:
“Maria é o Templo de Deus, não o Deus no Templo. Por isso só aquele que fez maravilhas no templo é digno de adoração.”[8]
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[1] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, pág. 304.
[2] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 305 e ss.
[3] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 305 a 306.
[4] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 310 e ss.
[5] Idem 3.
[6] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 352 e ss.
[7] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 296 e ss.
[8] A Virgem Maria na Igreja, Secretariado Nacional de Liturgia, págs. 299.