CRÓNICAS & OPINIÃO

Nascido em Lisboa, em janeiro de 1993, cresceu na Amadora, sempre ligado à comunidade da paróquia, onde a família participa ativamente. Foi batizado a 3 de julho de 1993, dando os primeiros passos na vida cristã, marcado pela participação na Eucaristia com a família e no grupo coral a que a mãe sempre pertenceu. Padre Miguel cresceu com sentido de vida comunitária, muito estimulado no agrupamento de Escuteiros 55 Amadora. Em 2012 as questões vocacionais tornam-se mais presentes, e em setembro desse ano entra no Seminário de São José de Caparide. Após sete anos de discernimento é ordenado diácono, a 3 de dezembro de 2018 e padre a 29 de junho de 2019. Foi enviado para a paróquia da Parede, no patriarcado de Lisboa, onde começou o seu ofício de pároco a 27 de setembro de 2020 e onde se mantém até ao presente. A dimensão criativa e artística sempre fez parte do seu crescimento, ao nível da música, do desenho, do teatro e da dança. Mantém o apreço pelas artes, a que se dedica na medida das possibilidades do ministério. Acima de tudo, procura corresponder totalmente à vontade de Deus, nessa arte de conduzir até Ele muitas vidas.

Creio que todos encontramos esse desejo

06/05/2025

Creio que todos encontramos esse desejo, quase primário em nós, de nos sentirmos olhados, de que reparem em nós. Particularmente, no que diz respeito àqueles por quem temos maior admiração. Mas este não é um texto sobre nós, é um texto sobre Francisco, sucessor de Pedro, e uma tentativa (espero que não simplista) de procurar ilustrar, de alguma forma, o dom que a sua vida entregue foi para cada um de nós, para a Igreja e para o mundo.

De facto, havia no Papa Francisco essa predileção por nós (por este jardim da Europa à beira-mar plantado, nas palavras de Tomás Ribeiro) que eventualmente há de ter começado na desarmante visita a Fátima, aquando do Centenário das Aparições, em 2017. O mar de luz ali congregado arrebatou o coração do Pontífice, deixando-nos as marcantes palavras ainda hoje impressas no coração e na oração de muitos: “Temos Mãe.”

Essa visita, de forma especial, mas todo o seu pontificado até então, foi preparando o coração de todos para o seu aguardado regresso a terras lusas em agosto de 2023. Preparação essa que se distendeu no tempo, porém sempre marcada pela pressa salutar de receber a Jornada na nossa casa, o que significava acolher o sucessor de Pedro, que novamente se demoraria nesta nossa querida terra. A sua passagem foi pensada ao pormenor, e os locais escolhidos de forma quase cirúrgica, como quem executa um plano bem traçado, previamente esboçado no coração. Muito nos foi deixado, qual legado que não pode ficar esquecido. As palavras foram claras, e ficaram, de alguma forma, marcadas nas nossas vidas. Vidas gastas e entregues na preparação do evento que tocou o coração de muitos, até dos mais descrentes. Discursos vivos, brotantes do seu coração de pastor atento, por vezes improvisados, mas que revelaram a todos a sua profunda sabedoria, radicada no amor por Jesus Cristo e pelo Seu Evangelho, assim como a sua paternidade, exercida com a autoridade própria da missão que o nosso Bom Deus houve por bem confiar-lhe, confirmando o que já íamos intuindo a partir do exercício do seu ministério petrino, sempre próximo e tão humano.

Passou muito perto de todos nós, suscitando (eventualmente sem o saber) muitos movimentos e iniciativas, particularmente no interior dos corações, o que se manifestou num sem-número de ações absolutamente inesperadas, provindas dos mais surpreendentes quadrantes. Somos-lhe gratos, sem dúvida, pela disponibilidade que lhe reconhecemos à vontade de Deus, e pela abertura de coração às moções que o Evangelho foi sulcando no seu íntimo, ao longo dos anos, que se revelou para toda a Igreja e para o mundo como voz profética para este tempo que atravessamos. Foi justamente isso que permitiu trazer ao de cima o melhor de todos, particularmente na circunstância que nos coube, mas que se estendeu, em muitas ocasiões, a um movimento quase universal.

O desafio agiganta-se agora diante de nós: somos herdeiros deste legado que nos deixou. Legado esse que se distende desde a misericórdia infinita de Deus, convidada a ser traduzida em gestos quotidianos concretos, passando pela alegria como marca distintiva de quem procura viver em Cristo e segundo o Seu Evangelho, destacando a fraternidade universal a que somos chamados, bem como a dignidade infinita de cada pessoa humana, sem exceção, culminando na Esperança como caminho rasgado no hoje da história, como possibilidade de antevisão de um horizonte há muito esquecido ou tido como inalcançável, por um mundo cada vez mais ensimesmado e desiludido face à possibilidade de um caminho que conduza a algum lugar.

A memória do Papa Francisco ficará gravada nos corações, tanto quanto vemos e sabemos, mas isso apenas será relevante na medida em que ousarmos abraçar os sonhos que nos propôs sonhar. Essa medida, vivida pelo próprio na primeira pessoa, a medida do sonho, necessita de pautar os nossos gestos e decisões, a fim continuarmos com coragem o caminho que diante de nós não temeu abrir.

Francisco, Papa Francisco, esperamos verdadeiramente que estejas em Deus, a Quem procuraste servir e amar, na simplicidade da tua vida entregue. Como sempre fizeste, ajuda-nos a pôr os olhos n’Aquele a Quem seguiste e para Quem sempre apontaste, para que nos anime o mesmo sonho que te conduzia, que não começando nem acabando em ti, procuraste realizar, na parte que te cabia.