O dia 28 de abril de 2025 ficará para a história como o dia do maior apagão dos últimos tempos. Foi um dia negro, percebemos as vulnerabilidades existentes ao nível da rede elétrica e das comunicações, bem como o nosso desleixo em acautelar o que podem ser imprevistos que impliquem a nossa sobrevivência no imediato. Foi um bom teste às capacidades estruturais do país e a cada um dos cidadãos, pena é que tenha sido uma imposição e não um simulacro de prevenção.
O caos instalou-se a partir das 11h33. Pensou-se que seria avaria local, era geral, aliás, nacional, era a Europa… o mundo inteiro. Era urgente saber o que tinha acontecido, resolver e descobrir o culpado – tem de haver sempre alguém a quem apontar o dedo e julgar – Foi um ciberataque, foram os russos, o Trump, o Musk, é a terceira guerra mundial. Pânico! Começa a corrida aos supermercados, às estações de serviço, era preciso pilhas, papel higiénico, enlatados, gás, papel higiénico, água engarrafada, papel higiénico – nunca percebi a loucura do papel higiénico. Os telemóveis foram perdendo a carga, a Internet, a rede móvel… e agora? Solução: rádio do carro! Nas viaturas recentes carregaram-se powerbanks e telemóveis, tudo o que era possível, desde que os veículos não fossem elétricos porque nesses era preciso contenção. Esperar… e as horas a passar… O comércio fechou portas, os serviços sem sistema informático… e as horas a passar… Era preciso ir buscar as crianças às escolas e regressar a casa. Não havia previsão de restabelecimento, falou-se em 72 horas. E a comida nos frigoríficos? Ia estragar-se! Foi a angústia na restauração, o prejuízo? O trânsito um caos. Os semáforos não funcionavam, os comboios e o metropolitano parados desde o início, filas sem fim para os autocarros que circulavam cheios. Sem Internet, Ubers e Bolts estão off. Os táxis, os poucos que se viam, estavam bloqueados no trânsito… e as horas a passar. Os idosos, pensou-se, os mais isolados, não tinham como saber o que se passava, que horror! A maioria safou-se muito melhor que muitos de nós: fogão a gás, rádios a pilhas e candeeiros a petróleo que há muito enfeitavam as prateleiras do louceiro da sala ou da cozinha, e… saber esperar, essa coisa de antigamente! Para as crianças, desde que os seus adultos não entrassem em pânico, foi uma aventura. Chega a notícia: o apagão aconteceu em Portugal, Espanha e uma parte de França, devido a uma falha numa central de alta tensão localizada em Espanha. Malandros dos espanhóis, sempre a tramar-nos! Nunca se falou tanto de REN, eRedes, Anacom, nunca tantos ficaram a saber tanto de eletricidade, de termoelétricas e hidroelétricas, parques eólicos e fotovoltaicos, e até de painéis solares que, afinal, precisam de um qualquer mecanismo que armazene e transforme a energia solar em elétrica: “Então o painel solar que está no telhado da minha casa, quando não há eletricidade, não serve para nada?” Pois, assim é! E as horas a passar… e já lá iam umas valentes 10 horas. Acenderam-se as velas, as lanternas e o menu foi gourmet: atum com grão ou salsichas com feijão!
Ai, o que é isto?!? Palmas e gritos – era uma revolta, um assalto, a guerra a começar – eram foguetes e fogo de artifício porque ela estava de volta, a eletricidade começava, aos poucos, a dar-nos luz e a malta, meio que descontrolada, em alívio pelos nervos que tinha apanhado, toca de buzinar, bater tampas e assobiar. As comunicações começaram a restabelecer-se, trocavam-se SMS, o WhatsApp voltou à vida. Melhor ou pior, sobrevivemos cheios de histórias para contar.
Nas redes sociais estava um burburinho, comentários sobre o bom que tinha sido parar e largar ecrãs, ir com os filhos ao parque infantil, jogar às cartas e ao dominó, cantar, ler, conversar. Vizinhos, de todas as cores e naturalidades, que nunca se falavam, estiveram nas ruas à conversa. As lojinhas do Indostão, as únicas abertas durante o apagão – afinal são úteis, não é, maltinha dos hipermercados? –, lá estiveram e até venderam fiado, confiando naqueles que, muito provavelmente, os querem ver fora do “nosso” país, mas que, ironia das ironias, não tinham notas ou moedas, só MBWay e cartões. Salvaram o dia e, certamente, pediram aos deuses e a Alá mais um apagão que os tornasse visíveis e considerados aos olhos de muitos, um apagão que lhes desse o valor que merecem enquanto pessoas e, já agora, que lhes esgotasse o stock de papel higiénico e as latas de sardinhas em tomate. Houve gente nas janelas a contemplar o pôr do sol, esplanadas cheias de amigos e colegas de trabalho a beberem bebidas frescas e a rir, tudo tão lindo… afinal, tudo tão bom, o apagão foi tão bonito!…
Mas, pergunto: é preciso que nos imponham uma paragem para pararmos? Que mundo é este, que gente, que sociedade é esta em que nos transformámos, em que é preciso uma falha elétrica para parar, escutar e olhar, mais ou menos como fazemos ao atravessar uma passagem de nível para não sermos abalroados pelo comboio, essa máquina maldita que nos devora o tempo e a razão.
Deixemo-nos de tretas, menos romantismo, mais consciência e ação! Se pensar, querer e fazer implicam adesão, compromisso pessoal, não esperemos um apagão, façamos da vida o que é preciso ser feito, não por imposição, mas porque sentimos e queremos que assim seja. Nada é garantido, não sabemos o dia nem a hora e o dia pode mesmo ser o de hoje.